MARÍLIA / SP - quinta-feira, 18 de abril de 2024

TRATAMENTO DA SÍNDROME DA APNEIA

TRATAMENTO DA SÍNDROME DE APNEIA
HIPOPNEIA OBSTRUTIVA DO SONO PELA ACUPUNTURA

(*) Dra. Anaflávia de Oliveira Freire  

A Síndrome de Apneia Hipopneia Obstrutiva do Sono (SAHSO) é um distúrbio primário do sono mais relacionado às alterações fisiológicas que ocorrem durante essa fase, do que a um distúrbio do ciclo sono-vigília em si. Esta síndrome é caracterizada por episódios recorrentes de obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores durante o sono, resultando em períodos de apneia, dessaturação de oxihemoglobina e despertares freqüentes, acarretando conseqüências clínicas diversas. Um exemplo é a sonolência diurna excessiva que tem repercussões importantes na vida dos indivíduos, impondo-lhes prejuízos sociais e funcionais, como durante dirigir veículos, alimentação, conversa, e outras situações constrangedoras e perigosas.

A SAHSO apresenta um largo espectro clínico, isto é, em um extremo encontram-se pacientes com ronco primário sem outras queixas clínicas, e no outro extremo pacientes com a síndrome clássica: geralmente homens adultos, obesos, com história de ronco, relatos de apnéias noturnas apresentando sonolência diurna excessiva e complicações cardiovasculares como arritmias e hipertensão arterial.

O ronco é a queixa principal desta síndrome, porém nem todo roncador apresenta esta patologia. Seguido ao ronco, a sonolência diurna excessiva e sono não reparador, são os sintomas mais proeminentes. A apnéia que ocorre durante o sono freqüentemente não é percebida pelo indivíduo. Na maioria das vezes é um relato notado pelo parceiro, não sendo desta forma, o sintoma que conduz o indivíduo ao médico. O ronco e a sonolência diurna são os dois sintomas que levam o paciente a procurar a assistência médica. 

As conseqüências cardiovasculares da SAHSO têm sido bem demonstradas na literatura, sendo a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) um achado comum nestes indivíduos. Na SAHSO não tratada a HAS está em torno de 30% dos casos. Arritmias cardíacas que ocorrem exclusivamente durante o sono são comuns nestes pacientes. Bradicardia sinusal acentuada durante o sono ocorre em 10% dos casos, sendo em geral associada à intensa hipoxemia. Trabalhos científicos mostram associação da apnéia e ronco com aumento do risco para infarto do miocárdio (AIM) e acidente vascular cerebral (AVC), porém estas associações (SAHSO X AIM; SAHSO X AVC), exceto para HAS são ainda controversas, havendo necessidade de dados adicionais obtidos de estudos epidemiológicos controlados.

Outra conseqüência de extrema importância relacionada à SAHSO são acidentes de tráfego. Vários trabalhos mostram que esses acidentes com veículos estão associados a fatores como o cansaço por longas horas à direção, a obesidade, aos distúrbios ventilatórios do sono e ao uso de drogas, principalmente o álcool. Em um trabalho realizado por pesquiadores brasileiros, constatou-se que pessoas com distúrbios ventilatórios, sonolência diurna e obesidade se envolviam duas vezes mais em acidentes do que motoristas que não apresentaram as alterações estudadas. Pesquisadores americanos observaram que pacientes com SAHSO de grau leve e moderado tiveram uma probabilidade 4,6 vezes maior de sofrer mais de um acidente automobilístico e os com SAHSO grave 7 vezes maior.

O tratamento da SAHSO consiste desde medidas de higiene do sono e emagrecimento até a cirurgia, dependendo da gravidade do caso. Medidas simples como a retirada do álcool e de certas drogas como benzodiazepínicos, barbitúricos e narcóticos, a adequada posição do corpo e a perda de peso, podem eliminar as apnéias e hipopnéias em alguns pacientes.

A terapia medicamentosa como o uso da acetazolamida, medroxiprogesterona, almitrina, metilxantinas, protriptilina e outros fármacos, têm efeitos duvidosos em reverter o quadro de apnéia do sono. O CPAP (Continuous Positive Airway Pressure), tem demonstrado melhores resultados em reverter a sintomatologia, diminuição da morbidade e mortalidade, e a traqueostomia (em casos mais graves). e redução da taxa de mortalidade e episódios de descompensação de doenças cardio-pulmonares. Porém, a descontinuidade no tratamento com o CPAP é grande por uma questão tanto estética quanto por ser desconfortável o uso de uma máscara durante a noite, assim como o tratamento com traqueostomia é uma medida muito invasiva e com várias complicações secundárias.

Desta forma, a importância da detecção de indivíduos com fatores de risco para SAHSO, assim como o diagnóstico precoce desta doença é de grande valia, tanto para a prevenção de acidentes relacionados à sonolência diurna excessiva, como para a prevenção de outras doenças relacionadas ao não tratamento da apnéia (arritmias, HAS). Estas medidas têm impacto tanto sob o aspecto de custos de saúde pública quanto aos gastos pessoais.

Observa-se que tanto o tratamento quanto o diagnóstico da SAHSO têm um custo alto no sistema de saúde pública, tendendo a ser diagnosticados quadros clínicos mais exuberantes em fases tardias da doença, que apresentam, por conseguinte, custo muito mais elevado para o tratamento. Por outro lado, a maioria dos pacientes permanece não diagnosticada, mesmo em países desenvolvidos.

Nas últimas décadas, o tratamento com Acupuntura tem sido incorporado ao arsenal terapêutico da clínica médica ocidental, sendo utilizada para tratar diversas doenças. A Acupuntura foi idealizada dentro do contexto global da Filosofia do Taoísmo e das concepções filosóficas e fisiológicas que nortearam a Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Sua origem data de mais ou menos 2 500 anos.

Evidências arqueológicas mostram que existiam artefatos de acupuntura feitos de pedra, chamados de bian, que eram ‘utilizados na Idade da Pedra para fins curativos’. As agulhas de metal, ouro e ferro, foram usadas numa Era mais recente, sendo  encontradas nas tumbas da Dinastia Han (206 A.C. a 221 A.C).
É importante ressaltar, que a Acupuntura apesar de fazer parte da MTC, não necessariamente se confunde com Ela, isto é, as técnicas de fortalecimento interior utilizadas pelos antigos sábios, que atualmente são denominadas como as práticas de meditação do Taoísmo (Qi Qong), onde também se insere o Tai-Chi-Chun, assim como as formulações fitoterápicas remontam à inserção das agulhas.
Contudo, dentre as abordagens terapêuticas propostas pela MTC, a Acupuntura é a mais aceita no Ocidente, por apresentar uma fenomenologia mais palpável no contexto científico, podendo ser expressa em termos neurofisiológicos, o que se observa no seu mecanismo de ação.
A expressão neuronal do seu funcionamento torna a Acupuntura cada vez mais aceitável no meio científico, sendo atualmente objeto de investigação em diversos centros acadêmicos de renome mundial (Havard, UCLA, USP, UNIFESP). Da mesma forma, os trabalhos científicos antes existentes e publicados em revistas e periódicos sem impacto mundial, atualmente vêm sendo publicados em revistas de alto impacto e com um crescente refinamento na própria metodologia. Esta expressão científica da Acupuntura tem permitido desrotulá-la de um contexto empírico, antigamente tido até como curandeirismo, para uma posição não menos inferior do que qualquer outra especialidade médica.
Considerando as importantes descobertas científicas acerca do mecanismo de ação da Acupuntura, principalmente no que se refere à sua atuação moduladora sobre o Sistema Nervoso Central (SNC), somado às atuais constatações dos sistemas orgânicos envolvidos na fisiopatologia da Síndrome de Apnéia Obstrutiva do Sono, realizamos esta pesquisa. Além do que, a demanda de pacientes que procuram esta técnica terapêutica tem crescido geometricamente, o que induz a comunidade científica a comprovar a eficácia deste tratamento,  dando-lhe credibilidade frente à população. Isto, por conseguinte, permite a educação e seletividade de profissionais capacitados e competentes nesta área de atuação.
(*) Dra. Anaflávia de Oliveira Freire é médica acupunturista, mestre e doutora em Medicina Chinesa - Acupuntura pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) – Escola Paulista de Medicina.
                                                                                              

OBJETIVOS DA PESQUISA  

O objetivo da pesquisa de doutorado da Dra. Anaflávia de Oliveira Freire realizada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Disciplina de Biologia do Sono, sob supervisão do Prof. Luiz Eugênio Mello, Profa. Sonia Maria Togerio e Prof. Ysao Yamamura foi estudar o efeito da aplicação de 10 sessões de Acupuntura (1 sessão semanal) na qualidade de vida, na arquitetura do sono e nos eventos respiratórios de pacientes portadores da Síndrome de Apnéia-Hipopnéia Obstrutiva do Sono de grau moderado.                                          

 RESULTADOS 

A Acupuntura foi eficaz em melhorar a qualidade de vida assim como a arquitetura do sono de pacientes portadores da Síndrome de Apnéia-Hipopnéia Obstrutiva do Sono grau moderado. O grupo não tratado teve significativa piora de seu quadro clínico ao longo dos 3 meses de duração do presente estudo, indicando a natureza progressiva da SAHOS e a necessidade de se tratar esta doença. 

A eficácia clínica de um tratamento para a SAHOS, semanal e de baixo custo como a Acupuntura, recomendaria fortemente sua adoção pelo sistema público de saúde.
Porém, o estudo dos pacientes que receberam acupuntura após 6 meses da última aplicação, mostrou que alguns pacientes voltaram a ter apnéias. Isto demonstra a necessidade do acompanhamento destes pacientes por um período mais longo. Da mesma forma confirma o que na prática clínica se sabe: uma doença crônica deve ser tratada por um longo período com Acupuntura, e a parada do tratamento deve ser gradual.
Esta linha de pesquisa continua a ser desenvolvida por estes pesquisadores, com a finalidade de implementar um protocolo de tratamento que possa ser utilizado por diversos colegas médicos, e também para esclarecer as bases científicas envolvidas na melhora destes pacientes apnêicos com a Acupuntura.